O primeiro amor do Vicente

Não sou eu.

Nem o pai, nem a empregada, nem tios ou tias, avós ou primos, amigos ou conhecidos.

O primeiro amor do Vicente não é outro bebé. Nem um boneco, nem um brinquedo.

O primeiro amor do meu filho é uma yorkshire terrier de um quilo e meio a quem, há mais de 10 anos atrás, decidimos chamar de Blue, mas que também dá pelo nome de Piteca.

Vistas bem as coisas, tem pinta de ser o primeiro amor de alguém. Tem um feitio intratável, refila por tudo e por nada, acha que é o centro do mundo e, a característica que não podia faltar, não liga puto ao Vicente. Ou não fosse ela uma gaja que sabe, como todas as gajas sabem, que a melhor estratégia para conquistar um gajo é mesmo não lhe ligar nenhuma.

E ele lá anda pela casa com os olhos a brilhar e fixos no chão, à procura dela. Vira-se assim que ouve o barulho daquelas patitas de 1 cm quadrado e fica extasiado sempre que nos ouve chamar por ela. E na inocência de um primeiro amor, tenta desesperadamente aproximar-se dela, tocar-lhe, puxar-lhe o pelo, fazer-lhe festas.

Mas ela, cabra como 99% das gajas que eu conheço, ignora-o. Numa olímpica indiferença finge que ele não existe, nem se mexe quando ele a consegue alcançar, nunca se dignou a olhar para ele. E ele, coitado, lá continua. Apaixonado.

Os amores Vicente, principalmente os primeiros, são mesmo assim.
Pelo menos sempre vais ganhando experiência.