90 anos

Hoje a minha pessoa faz 90 anos.
E eu tenho que lhe dizer obrigada.

Por tudo.
Pelas fraldas mudadas e pelos biberões de leite.
Pelo colo para adormecer e para chorar. Pelas canetas fluorescentes. De todas as cores.

Pela partilha da cama.

Pelas madrugadas de chá com bolachas.

Pelas idas aos Pro-fi-ri-os.

Pelas perseguições discretas no Santo António.
Pelas festas de anos.
Pelos bolos das festas de anos.
Pelos fins-de-semana na Timpeira.
Pelo Hotel do Mar e pela cadeira azul que tinha que arrastar até à praia.
Pelo cabelo esticado.
Pelo casamento da Nancy.
Pelas revisões na véspera dos testes e dos exames.
Pelas idas à natação.
Pelas bolas de Berlim nos intervalos da primária e pelas entregues no Ribatejo.
Pelas férias na roulotte.
Pelos bilhetes no cimo das escadas.
Pelo vestido de casamento e por todos os que o antecederam.
E os que se seguiram também.
Pelo ballet, pela patinagem artística, pela dança jazz e pela ginástica.
Pela tipografia e pela informática.
Pelo inglês e pelo alemão.
Por as terminações dos verbos em francês.
Pelo dinheiro urgente no Totta em Londres.
Pelas viagens com as minhas amigas.
Pelos sumos de laranja coados.
Pela cozinha limpa depois de eu fazer bolachas.
Pelos carregamentos no telemóvel.
Pelas idas às Amoreiras ao fim da tarde.
Pela receita do puré de feijão.
Pelas vezes que me coçaste as costas até eu adormecer.
Pela única palmada no rabo.
Por me perguntares a meio da noite “estás a dormir?”.
Pelo quarto do Vicente.
E pelos casacos que dizes que eu não lhe visto.
Pelos rolos e rolos de fotografias.
Pelos telefonemas para o Ayrton Senna.
Por embalares o carrinho do Vicente e segurares nas chupetas das meninas.
Pelas idas às sandes às tantas da manhã.
Pela minha infância.
Pela minha adolescência.
Pela vida adulta.
Pelo amor.
Pela minha felicidade.

Obrigada.