terça-feira, 23 de novembro de 2010

Não deixar passar em branco

Porque a Madalena, que nasceu com 600 gramas, faz hoje um ano.

Porque a Maria e a Eva, que deveriam ter nascido em Abril, nasceram em Janeiro.
E porque Novembro foi / tem sido o mês de sensibilização para a prematuridade.

Para alertar, para prevenir, para apoiar.
Porque custa, porque é difícil, porque é duro.

Porque dói.
Dói muito.
A nós e a eles.

Porque dói quando olhámos pela primeira vez para o nosso bebé e ele quase cabe na palma da nossa mão.
Dói quando queremos pegar nele e não podemos.
Quando o queremos vestir e embrulhar na mantinha quente que comprámos a pensar nele e isso não é possível.

Dói quando o vemos nú na incubadora.
Quando o vemos cheio de fios.

Dói o fio que ele tem enfiado pela boca e que vai até ao estômago.
Dói os dois fios que lhe entram pelo umbigo dentro.
A agulha espetada na mão para lhe fazerem análises quando necessário.
Dói a agulha quase ser maior do que a mão dele.
Dói a máscara e os tubos que lhe entram pelo nariz para ele poder respirar.
Os sensores com desconfortáveis autocolantes que ele tem colocados no corpo inteiro.
Dói quando lhos tiram para os mudar e ele chora.
Quando olhamos para o corpo dele, pequenino, cheio de nódoas negras das picadas.

Porque dói estar na enfermaria com as mães que têm consigo os seus bebés.
Quando elas olham para nós e não perguntam nada.
Quando falam baixinho sobre nós umas com as outras.
Dói quando as ouvimos sussurrar “onde está o bebé dela?”

Dói a cicatriz do parto quando temos que atravessar longos corredores para chegar à neonatologia.

Dói quando vemos outros bebés morrerem.
Dói pensarmos que podiam ser os nossos.
Dói pensar ainda bem que não foi o meu.

Dói o barulho das máquinas.
Quando são os sensores do nosso bebé que apitam.
Não sabermos se é grave ou não.
Dói termos os olhos fixos no écran e não perceber o que aquilo significa.
Dói, no meio do barulho, saber que em casa andaríamos em pontas de pés para ele descansar.

Dói ver a preocupação no olhar dos médicos e dos enfermeiros.
Quando perguntámos se está tudo bem e nos respondem “um dia de cada vez”.
Dói não sabermos nada.

Dói quando queremos ter leite e não temos.
Dói quando nos dizem que foi demasiado cedo e que o corpo não estava preparado.
Dói esperarmos.
E dói quando, depois, temos leite mas o nosso bebé não pode vir ao peito.

Doem as mamas, duras e cheias de leite, a meio da noite.
Dói não termos um bebé em casa para mamar.
Dói às 3h, 4h, 5h da manhã estarmos sozinhas no sofá, enroladas numa manta, no escuro, a tirar leite com uma bomba.

Dói quando pegamos no nosso filho pela primeira vez e quase não sentimos o peso dele.
Dói termos que pegar nele com tantos fios.
Dói termos o nosso filho ao colo e termos medo disso.
Dói quando nos dizem que já chega e o voltam a colocar na incubadora.

Dói quando à meia-noite dizemos boa-noite e vamos para casa.
Dói ele ficar lá. Todos os dias.
Dói acordar a meio da noite e não poder ir ao quarto dele – vazio – ver se ele está bem.
Dói não sabermos se ele está a dormir, se tem frio, se está a chorar, se tem fome, se tem a fralda mudada.
Dói não sabermos se ele está vivo.

Dói ver as semanas e os meses a passar devagar.
Quando começam lentamente a tirar os fios e nós temos medo.
Quando corre mal e é necessário voltar a colocar os fios.
Dói quando vemos o nosso bebé amarrado para os médicos o socorrerem.

Dói vermos os outros irem para casa e o nosso ficar.
E dói tanto quando os vemos voltar.
Quando pensamos que connosco vai ser assim.

Dói irmos para casa sem médicos logo ali ao fundo do corredor.
Dói termos medo de tudo.
Das visitas, do frio, do calor, das tosses, de se engasgarem.
De terem que voltar.

Dói as consultas todas que temos a seguir.
De neonatologia, desenvolvimento, baixo peso, fisioterapia.
Cardiologia, pneumologia, oftalmologia.
Exames aos olhos, aos ouvidos, ecografias ao cérebro.

Dói esperar para nos certificarmos que não ficou nenhuma sequela da prematuridade.

Para um dia mais tarde podermos olhar para trás sem doer nada.

23 comentários:

Teresa disse...

Sou uma leitora silenciosa deste blog há imenso tempo. Adoro vir aqui saber as novidades, ler as aventuras dessa casa tão cheia. Hoje não pude deixar de comentar porque perdi uma bebé há três meses por ter tido uma ruptura de membranas prematura. A bebé não ia conseguir viver sem líquido o tempo necessário para aguentar nascer e a gravidez foi interrompida. É um sofrimento incomensurável, eu ainda não o sei explicar nem descrever. Ainda não sei como cabe em mim, de tão grande que é. Ao ler este post as lágrimas caíram-me pela cara abaixo. Tenho 2 prematuros na família e conheço um pouco desta luta mas há muito tempo que não pensava nisto. Não há maior maldade do que essa, sofrermos por interposta pessoa dos nossos filhos. Fico muito feliz por a Maria e a Eva estarem tão bem, apesar de terem nascido tão pequeninas. E de facto, depois de tudo o que passaram, e tal como já li aqui, tiveram uma sorte do caraças. Um beijinho

Ana disse...

tens uma estrelinha mágica nos dedos e o dom da palavra. Pões-me uma lágrima no canto do olho só por tentar imaginar o sofrimento atroz.
Parabéns pela coragem. É preciso muita!

Sara disse...

Dói pensar que um dia também pode ser um filho nosso que vai lá estar.

Fico feliz de conhecer vários casos que acabaram bem, não só as tuas gémeas mas como o de uns amigos que tiveram Quadrigémeos :).

Bjos

Barriguita disse...

sou uma mãe que teve um filho 5 dias internado na neonatologia logo após nascer, que apenas conheceu o filho 24h depois dele nascer, que viu de perto muitos bebés assim, pequeninos e cheios de tubos... o meu, felizmente, era o maior e esteve pouco tempo lá (nasceu às 40 semanas, com 3,800kg), mas conheci muitas mães que passaram por essa luta, muitas mães que me olhavam e questionavam o que faria ali um bebé tão grande, muitas mães que chegavam todos os dias com aquele ar cansado mas prontas para enfrentar mais um desafio.
sou uma mãe que também chorava à noite por não o poder ter ali, que olhava da enfermaria a janela onde estava o bercinho dele na neo... o meu filho não foi prematuro, não lutou para sobreviver, mas os primeiros 5 dias dele foram os piores da minha vida.

imagino o que será viver isso durante semanas, meses... uma mãe de um prematuro é uma Mãe com um M muito grande! Fica a minha homenagem a todas essas mães!

cristina disse...

És uma Mãe com M GRANDE!!
1 exemplo de Mulher de coragem! Parabéns!

Patricia disse...

Este post é dos mais bonitos que já li... A minha filha não foi prematura, mas teve de ficar internada 4 dias na Neo, e de facto, doi...

Beijinhos,
Patricia e Mariana

Isabel Patrício disse...

Um Beijo

Isabel Patrício disse...

Um Beijo

Mami ( Sónia ) disse...

Muitos parabéns pela tua coragem, e de todos os pais que infelizmente tem de passar por essa dor atroz que é não saber o dia de amanhã. Não consigo sequer imaginar como será viver todos os dias com o coração nas mãos, simplesmente à espera.
Parabéns por tudo o que tu passaste, pela força que tiveste, vinda sabe-se lá de onde.
Beijos grande

aNa disse...

... :)*... obrigada pela partilha...sou leitora silenciosa...e este post deixou-me de lágrimas a escorrer pela cara! OBRIGADA

lídia disse...

Chega a doer-me só de ler este post.
;)

Vânia e Mariana disse...

Por norma leio os teus post a gargalhada, hoje leio de lagrima no olho!!! Graças a Deus não sei o que isso é, mas só de imaginar apetece-me chorar e abraçar muito a minha filha!!! Devem ser momentos realmente tristes, mas que tu os superaste como a grande mulher que es, e as tuas meninas estão contigo.

Beijinhos muito grande, e obrigada pela partilha.

vera agostinho disse...

ai isto anda difícil que eu ultimamente venho aqui e dá sempre em choradeira... mas é importante não deixar passar realmente e eu, prematura, cá estou para agradecer à minha mãe ter passado por isto. ;)bjs

rbalmeid disse...

Que razao tens... Sao dias tao duros... Beijinhos

Rraimundo disse...

Alguns posts teus deixam-me com a lagrima no canto do olho e a pensar: como é que ela conseguiu?!?! Este foi um deles, podes ter a certeza, principalmente porque tenho bastante receio de que me possa acontecer o mesmo, uma vez q estou grávida de 27 semanas.
Poderia-te dizer muita coisa, mas basicamente tudo o que te teria dito seria no sentido de que és uma mulher muito forte e corajosa!
Não foi ao acaso que foste escolhida para ser mãe de duas lindas meninas prematuras... acredita nisso!

Sofia Mota disse...

Olá Raquel! É isto TUDO a prematuridade e a nossa experiência enquanto mães! Passados 102 longos dias, a Sofiazinha veio para casa no sábado. Finalmente a tenho 24 horas por dia. Muitos beijinhos, Maria Sofia.

Maria Vicente disse...

Já te disse que te adoro né? A tua forma de escrever é divina. Parabens.
Aqui fica um abraço do tamanho do mundo, pra ti e para todos os pais de bebes pequeninos.

Isa disse...

Nao consigo dizer mais nada a nao ser: Lindo.... e Parabéns por seres quem és!

Luisinha disse...

Olá, já à algum tempo que sigo o teu blogue mas hoje vou comentar pois sou mãe de gêmeos á pouco tempo. Nasceram com 37 semanas de gestação, não são considerados grandes prematuros mas o mais pequenote teve necessidade de ir para a neonatologia por uma semana. Foi o tempo bastante para me pôr doente. É tudo exactamente como tu descreves e de facto dói muito....mas eles têm a capacidade de nos surpreenderem todos os dias e de nos mostrar que têm uma resistência íncrivel.

Parabéns pela família linda que tens...

Beijo grande

:)

guida disse...

Venho aqui muitas vezes, comento pouco, mas hoje n consegui deixar de o fazer.
Revi-me em cada palavra que tu ali escreveste.
Tenho duas filhas gemeas que nasceram ás 32 semanas e passamos quase um mês na neo.Foram dias muito complicados e de muitos medos, felizmente tudo passou.... mas que doeu muito lá isso doeu...
Beijinho

Ana Costa disse...

Que pensamentos profundos...

Mta sorte, saúde e felicidades :)

Beijocas

dejalo que va lejos disse...

Ao ler este post, foi o reabrir de feridas, a dor que ainda permanece e dentro de 25 dias a V. faz UM ANO, a minha bebé que nasceu no dia cheio de sol e muito vento, com apenas 643gr com 24 semanas e 3 dias... Uma luta constante!!!

O que dizer mais, quando está tudo aqui, tão sentido...

Um abraço apertado e desejos de um Bom Ano, cheiiinho de SAÚDE

dejalo que va lejos disse...

Corrijo a V. nasceu com 743gr, mas chegou a pesar 500gr...

Graminhas de gente, pequenina tão cheia de força!!!