quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sobre a educação e outros que tais

Às vezes queixo-me que o Vicente isto e aquilo e mais que outro.

Às vezes pode parecer que não sei como educar o Vicente.
Mas a verdade é… o que é a educação de uma criança?
Há só uma forma de educar bem ou de bem educar?
Há uma fórmula mágica?
E se seguirmos essa fórmula mágica, que garantias temos?

Temos a garantia de que o nosso filho vai ser uma pessoa justa e íntegra?
Que vai saber respeitar os outros e a si próprio?
Que vai saber lidar com as adversidades da vida?
Com os desgostos?
Temos a garantia de que vai ser feliz?

Alguém que me diga que sim, que temos essas garantias todas, que me dê a fórmula mágica e então eu prometo segui-la à risca.

Mas até lá, até alguém me dar essa garantia, vou continuar a fazer as coisas à minha maneira e a tomar como exemplo um caso que me é muito muito próximo: eu.

Cresci rodeada de muito amor e muito mimo.
Felizmente, nunca me faltaram brinquedos.
E não digo isto com sobranceria.
Digo porque é esta a minha história.
Tive baloiços na sala de jantar e casas de bonecas onde cabia eu e as minhas amigas.
Numa altura em que as Barbies não existiam, tive Nancys atrás de Nancys.
Eu pedia o vestido de noiva da Nancy e recebi uma Nancy (outra) vestida de noiva.
Fiz a colecção de todos os livros de colecção que havia na altura.
Tive todos os brinquedos da moda.
Todos os jogos e Spectrums.
Tive máquinas fotográficas nem me lembro com que idade, uma câmara de vídeo aos 13 anos e uma Honda Vision branca e cor-de-rosa quando estas eram as motas da moda.

Fiz festas de casamento das minhas bonecas e enterros aos meus cães.
E as minhas festas de anos são as festas mais bonitas que guardo na minha memória, com bolos de suster a respiração e todos os meus amigos presentes.
Experimentei todos os desportos simplesmente porque não gostava de um e queria trocar. Natação, ginástica, dança rítmica, ballet, patinagem, ténis.

Seguramente que me diziam que não muitas vezes, mas não guardo nada disso na memória.
Levei uma única palmada, no rabo, mas garanto-vos que foi merecida.
Dormi na mesma cama que a minha tia até aos 11 anos e até essa idade, ou mais, acordava todas as noites para comer chá com bolachas, sentadas aos pés da cama.

Sim, é verdade: fui uma menina muito mimada.
E isso fez de mim uma criança feliz.

E mais tarde?
Mais tarde continuei a ser uma adolescente mimada.
Que ia aos Pro-fi-ri-os e à Benetton.
Que ia de férias com os amigos, que adorava comprar roupa e armar-se em top model com as amigas em sessões fotográficas que hoje nos fazem rebolar a rir.
Sim, fui uma adolescente muito feliz.

Mas o protótipo de menina mimada acaba aqui.
Nunca ninguém precisou de me mandar ir estudar.
Acabei o liceu com média de 20, entrei numa das universidades com a média mais alta do país e acabei o curso ao fim de 4 anos com média de 16.
Nunca fumei, apanhei 2 ou 3 bebedeiras na vida e nunca sequer experimentei qualquer tipo de droga.
Fui uma miúda com a cabeça no lugar e hoje sou uma mulher (quase quarentona!!) com a cabeça no lugar.
Tenho dois empregos, três filhos e três gatos.
Às vezes quase enlouqueço mas dou muito bem conta do recado.
Sou leal, honesta e às vezes até gostava de ter um bocadinho menos de princípios.
Sou muito educadinha com todos, mais do que às vezes são comigo, não tenho manias de superioridade e sei que não se pode ter tudo na vida.

Já tive muitas contrariedades, muitos desgostos, muitas lutas.
Não me custou mais nem menos por ter tido tudo o que queria quando miúda.
Porque sei que lá por ter tido um Spectrum agora não posso ir a correr comprar um Ipad.
Porque sei que comprar vestidos para uma Nancy não é o mesmo que comprar roupa para três crianças.

Agora digam-me que se o Vicente tiver menos carros para brincar vai ser um adulto mais feliz que eu vou já a correr tirar-lhos.
Digam-me que por ele comer a ver bonecos vai ser um mal educado ou vai ser um adulto que vai sempre comer a ver bonecos.
E digam-me também quantas de vocês não gostam de estar deitadinhas no sofá, de pezinhos ao alto, a papar uma bela sandochas. Porque eu, adoro.

Digam-me que o Vicente por dormir na minha cama vai ser má pessoa.
Que por não ter sono e querer companhia na insónia dele, aos 2 anos e muitos meses, vai fazer dele um sacana egoísta.
E digam-me lá quantas de vocês, quando têm insónias, não se viram para o lado e perguntam “Estás a dormir?”, na esperança que o vosso gajo vos responda: “Estou acordado”.

Digam-me que o Vicente, por querer ir jogar matraquilhos na cave com o pai antes de se deitar e eu deixar, ou porque quer ver o Faísca e a Luz do Além antes de ir dormir e eu permitir, se vai meter em drogas ou em más companhias.
Ou que por às vezes ter ciúmes das irmãs, que são duas de uma vez, e me estar sempre a pedir colo, e eu lho dar, vai fazer dele um prepotente.

Digam-me que ele vai ser melhor pessoa se eu simplesmente lhe negar o colo.

Porque eu acho que a educação não passar por ter menos brinquedos, menos colo, menos mimos. Também não passa por comer sem estar a ver bonecos, ou dormir sozinho quando se tem medo – e tanto medo tinha eu quando era miúda! – ou dizer-se “não te dou colo”.

O Vicente tem as suas regras e lá as vai cumprindo.
Sabe que se vai ao supermercado não pode comprar o carro do Noddy ou o do homem-aranha, mas pode comprar um carro pequenino que a mãe é que escolhe e que custa menos do que os extras a mais que eu trago para mim.
Sabe que as moedas são para comprar pão e leitinho e a roupa para ele vestir.
O Vicente não come sopa, é verdade, mas sabe que não pode ser mau com as manas, nem fazer barulho quando elas estão a dormir e que tem que lavar os dentes todas as noites mesmo sem ter vontade.

Sabe que não pode passar a noite toda a jogar matraquilhos, mas sabe que se me pedir para ir “marcar só dois golos” antes de ir dormir, eu deixo.
O Vicente sabe que tem que ir para a escola todos os dias, mesmo quando às vezes me pede para ficar em casa comigo e com as manas.
Sabe que devia dormir na cama dele, mas sabe que se chamar por mim eu o levo para a nossa porque às vezes até a mim me apetece dormir com ele.

E não, não acho que ele comer a ver bonecos ou ter 100 carros ou dormir connosco ou jogar matraquilhos antes de ir dormir ou fazer birras para tentar ir mais longe ou querer companhia nas insónias dele signifiquem que um dia eu vou perder a mão nele e que ele vai ser um adulto abominável ou infeliz.

Até porque não acredito que a educação seja meio caminho para definir o que uma pessoa vai ser ou não no futuro.
Tantos e tantos irmãos, criados pelos mesmos pais, com os mesmos princípios, e um é assim e o outro assado.


O Vicente é uma criança feliz.
Afável, simpática, doce.
Que empresta os brinquedos às irmãs e que quando elas lhe roubam um dos seus brinquedos “intocáveis” tem o cuidado de o trocar por outro para que elas não chorem.
Que me diz “gosto de ti” 500 vezes por dia.
Que tem confiança nele próprio e uma auto-estima exemplar.
Que aparece a correr quando as irmãs estão a chorar a dizer “não chores querida, não chores que eu estou aqui!”.
Que me trata por princesa.
E que sorri mais, mas muito mais, do que aquilo que chora.
Para quem não tem ainda sequer três anos, acho que isso basta.
E eu, eu acho que, com alguns desvios pelo meio, estou no caminho certo.

27 comentários:

Lina Santos disse...

Raquel,
não podia concordar mais contigo.
Agora rulaste.
Bjs

Sofia disse...

Nem mais! Assino onde?

Só vejo aqui uma...huuummm....digamos...hummmm...lacuna na educação do Vicente. Onde está esse grande clube formador de líderes, conhecido por SLB?? LOL
Bjinhos

pedradababy disse...

Pois cá por mim eu acho que estás mais que no caminho certo e sabes muito bem. Acima de tudo dar-mos bons exemplos de comportamento, educação, respeito pelos outros e mais uma série de bons princípios, é mais que suficiente para que nos queiram imitar e seguir os paços. O amor é o passe para a auto estima e confiança própria.
De qualquer maneira estou convencida que as crianças nascem com uma personalidade muito própria e nem todas reagem da mesma maneira aos mesmos estímulos. Nem todos os filhos duma mesma família se metem na droga ou, nem todos tiram cursos superiores. Há que plantar boas sementes e esperar que se tornem serem Humanos dignos como sonhámos para eles.
Beijos grandes

Anónimo disse...

Concordo com a pedradababy. O mais importante é dar bons exemplos, pois eles imitam tudo o que fazemos. :)

Tanita disse...

Adorei a tua dissertação e estou de acordo em tudo!

:)

Tudo de bom para vocês!

jmalho disse...

Concordo em absoluto, o mimo nunca fez mal a ninguém e recomenda-se em doses bem generosas :) o que educa são os princípios e o estabelecer limites.
Bjos

Anónimo disse...

Raquel,
Eu também fui uma criança, adolescente e ate agora sou mimada.
As crianças são mesmo para serem mimadas.
Não há mais a acrescentar.
Um Beijo*

Isa disse...

Que bem me fizeste sentir agora... eu que recebo tanta critica por fazer isto e aquilo ao meu filhote... e ele que é uma criança feliz, sorridente, linda....

Obrigada

Carla R. disse...

Acredito que o "perigo" do mimo existe quando não é acompanhado com a atenção. Quando se tenta substituir uma lacuna afectiva por um brinquedo, ou uma falha de atenção com falta de regras. Tudo bem enquadrado (como tu pareces fazer) aenas podera dar boas bases para uma vida feliz.
Queres ser minha mãe ?

Vânia e Mariana disse...

Eu não diria melhor!!! :)
Concordo plenamente contigo, por isso, acho que realmente deves continuar porque estas no caminho certo.

beijinhos,

A Dupla disse...

Nos blogs todas somos mães maravilhosas lol
Eu tb sou rica, mimada, fiz isto e fiz aquilo e sou a maior, e as minhas filhas serão os meus clones lol

célia disse...

Sem dúvida nenhuma, está no caminho certo! Parabéns! Adorei ler.

Maria João disse...

Gostei tanto, mas tanto deste texto. Muito mesmo.

Carla disse...

Que post mais delicioso!

Não tenho duvidas que estás no caminho certo e que as tuas acrianças são umas sortudas!

beijinhos muito grandes

tertuliadosencantos disse...

E mais palavras para quê? A isto se chama educação com AMOR! Melhor impossivel.. beijo

Mãe das Marias disse...

E quem fala assim não é gago ;)

beijos***

Anónimo disse...

Raquel,
não podia deixar de comentar este seu post, até que enfim encontro alguem que pensa como eu!

Eu que pensava que era uma ave rara, afinal encontro alguem que coloca em palavras o que eu penso.

O meu filho têm 3 anos (feitos em Janeiro) é mimado, muito mimado por mim e pelo pai mas se não formos nós a mima-los quem é que o vai fazer!?

No meio de tudo o que faz saber que estou no caminho certo é ouvir da boca ads educadoras e da pediatra, que se nota que ele é uma criança feliz, que está sempre a sorrir.

O que quero acima de tudo é que ele seja criança, com regras mas criança.

Bjs

Marta Mourão disse...

Maravilhoso post, concordo absolutamente.
Porque é que há-de haver só uma fórmula para todas as crianças deste mundo? Somos todos iguais?
O que interessa é o amor, o resto é um dia de cada vez.

As Mini-Gajas disse...

Opinar é muito mais fácil que educar, sem dúvida nenhuma. Acho que devemos fazer o que nos manda o coração. Amor acima de tudo é o que os nosso filhos mais precisam.

Bjs

Mami ( Sónia ) disse...

O que tu fazes ao Vicente eu faço à Sofia, e não me considero má mãe.
Não vou deixar de lhe dar colo e mimo, nem depois do irmão nascer. Ela também vai dormindo connosco, e nós adoramos isso, ela estar ali agarrada a nós. Eu também o fiz quando era pequena e adorava estar no meio dos meus pais.
Temos de os educar através de bons exemplos. Ensina-los a respeitar os outros, a agradecer, a serem independentes o mais que puderem , mesmo nesta idade.
Não vou deixar de dar mimos e muito amor aos meus filhos e tudo o mais que puder.
Beijos

abotelho disse...

Eu não teria dito melhor!!!
Mimo, não é sinónimo de falta de educação, eu também sou prova de isso, sempre fui imensamente mimada, mas sempre muitissimo bem educada.
Não há mesmo fórmulas mágicas, mas sabemos que estamos no caminho certo quando alguém diz aos nossos filhos "és feia, assim não gosto de ti" (não vou contextualizar, mas infelizmente passou-se com a Kika), e a resposta é: "não faz mal, tenho a minha mãe!!!!"
Quero acima de tudo que a minha filha saiba que a adoro, e pode sempre contar comigo, acho que isto já é meio caminho andado!!
Bjoca

Marisa disse...

assino! gostava tanto de saber "falar" assim! Adoro! Faço exactamente o mesmo com o Vasco. Jinhos

Tita disse...

Claro que estás no caminho certo, se sentes que estás, é mmo pq estás!
Isto da educação tem muito que se lhe diga e cada um dá sempre a sua opinião... mas penso que desde que nos sintamos confiantes, não importa o que pensam os outros! Mimar é um acto de amor, portanto não te preocupes e mima muito os teus filhos! Desde que eles saibam e tenham as suas regras (esta tb é uma forma de mimar, que lhes dá confiança e segurança) mimar será sempre aquilo que irão recordar!

Bjocas

Luisinha disse...

Olá,

De facto a Educação tem muito que se lhe diga..... criticar os outros é sempre mais fácil e o que está correcto para uns pode não estar para outros, não é verdade?
Importante é conseguir fazer o que aqui descreve... uma introspecção e avaliar se o que está a fazer é o correcto e mais importante conseguir perceber o que está errado e ter a coragem de o assumir....

Deixo uma sugestão de leitura para todas as mães, pais , educadores. Um livro do autor Augusto Cury Com o título " Pais brilhantes, Professores fascinantes"

Beijo. :D

Unknown disse...

Eu não poderia concordar mais... há certas coisas que eu, tal como tu, também faço, porque gosto e me dá prazer e não admito que nenhum pediatra me venha dizer «não o ponha na sua cama». Eu adoro dormir com o meu filho e não me importo nada que me de cabeçadas ou me ponha os pés em cima :) Quem é que não gosta de estar juntinho daquelas coisinhas fofas?
Não consigo entender como há pais que não entendem que a violência para com os filhos só os vai tornar ainda mais violentos e agressivos com os pais e colegas.... que crescem crianças revoltadas e carentes e que desafiam constantemente os pais pregando-lhe partidas e fazendo maldades só para os deixar irritados, «isto é por causa daquela palmada que me deste».
Adorei este texto, subscreo tudo o que dizes

persiana disse...

;-) adorei este texto!

Olga disse...

Concordo plenamente!!!!!:)