Sim, sou uma mãe muito descontraída

A Eva ontem fez um galo na testa.
Daqueles que ficam altos e negros e que nos obrigam a colocar gelo.
Daqueles que nos fazem abanar a cabeça com ar desolado.
Que nos fazem perguntar a nós próprias " e onde é que eu estava?"

O galo da Eva fez-me pensar sobre a forma como eu sou mãe.
Sou uma mãe stressada?Aflita? Medricas?
Ou sou uma mãe descontraída, relaxada, tranquila?

Um misto, eu diria.
Ou uma mãe muito stressada disfarçada de mãe descontraída.

Vou com eles para todo o lado e sozinha.
Ainda ontem fui com os três ao teatro.
O carro ficou longe como tudo.
A ideia era levar as duas no carrinho e o Vicente a pé com a trela da Chicco.
Ou, opção 2, o Vicente com uma das gémeas no carrinho e a outra no sling.
Claro que o saiu tudo ao contrário porque o Vicente pediu colo e pediu e pediu.
De modo que foram as duas no carrinho e o Vicente ao colo, no sling.
E isto é o quê? Descontracção, claro.

Também vou com eles sozinha para o parque.
Elas ficam presas e andamos as três atrás dele.
Se está pouca gente, sento-as no chão e ando atrás dele de olho nelas.
Descontracção, sim.

Aprendi com o Vicente a não stressar com as refeições.
Vamos jantar fora uma a duas vezes por semana e elas, nesses dias, não comem sopa nem fruta.
Bebiam leite ou iogurtes (infelizmente não gostam dos pacotes líquidos da Cerelac).
E depois petiscavam do nosso: hamburguer, pizza, sandes. O que for.
Agora já lhes compro uma sopa e está feito.

Também não tenho qualquer stress em armar barraca na mala do carro nos parques de estacionamento: lá troco fraldas, visto pijamas, aturo birras, etc.
Adormecem no carro e acordam no dia seguinte de manhã na cama.

Desde que elas nasceram melhorei muito na parte de os deixar com outras pessoas.
Telefono uma ou duas vezes e já não penso que só eu é que sei medir 8 colheres de leite em pó.

Sim, sou uma mãe muito descontraída.

Tão descontraída, tão descontraída que, enquanto os tiro aos três do automóvel, ando sempre com a chave no bolso, não vá algum gandulo lembrar-se de me roubar o carro com os meus tesouros lá dentro.
É também por isso que, se ponho o carrinho de passeio das gémeas do lado direito, por exemplo, primeiro tiro a gémea que está do lado esquerdo e só depois a que está do lado do carrinho, para nunca deixar o carrinho sozinho com uma enquanto vou tirar a outra.

Se tenho que ir buscar um carro de supermercado, para além de deixar o carro trancado e levar a chave comigo (mesmo estacionando quase ao lado dos carros de supermercado), deixo sempre as janelas um bocado abertas.
Eu sei lá se vou ser atropelada ou ter uma síncope e depois os meus meninos ficam no carro sem ar para respirar?!?!

Sou uma mãe super descontraída que despacha os filhos para os quartos deles antes dos 6 meses, mas que dorme com o intercomunicador na mesa de cabeceira sempre no máximo.
E se acordo antes deles e vou tomar banho, o intercomunicador vai comigo para a casa de banho. E para a cozinha. E para o escritório.

Sim, sou uma mãe tão descontraída que vai sozinha com os três para o parque infantil. Mas sem coragem de deixar o Vicente no espaço para crianças do IKEA. E se vai lá outra dizer que é mãe dele? E se roubam o BI e o vão buscar em meu  nome? Ah pois....

Sim, vou para o parque infantil e até deixo o Vicente andar naquele escorrega gigante que não é para a idade dele. Mas eu vou com ele, claro. Subo as escadas de madeira, enfio-me nos buraquinhos minúsculos, e lá descemos os dois todos contentes.
E elas? Elas estão coladas ao escorrega, sentadas no carrinho, num ângulo de onde eu nunca as perco de vista e com o carrinho de passeio travado, que isto de destravar um carrinho ainda demora uns segundos.

Sim, sou uma mãe descontraída que ontem viu a filha bater com a cabeça no pé da mesa e ficar com um galo gigante.
E coloquei gelo e creme e fui lá 1553 vezes durante a noite ver se ela estava bem.
E sim, eu sei que os galos fazem parte e que quando se tem gémeos que estão sempre par a par no desenvolvimento, mais um de 3 anos a agitar tudo, os galos são mesmo inevitáveis.

Mas que mal há em os querer evitar?
Não é isso que faz com o que o Vicente seja super independente e destemido: eu vou, eu faço, eu consigo, não quero a tua ajuda. Não preciso, diz ele.
E eu lá o deixo ir e fazer e acontecer, sozinho.
Com os olhos atentos, as pernas em posição de corrida e a mão quase esticada.
Como ontem, em que no parque ele foi andar para aqueles brinquedos que parecem uma teia de aranha gigante, e eu fui atrás.
E enquanto ele subia e descia eu agarrava-o, até que ele parou, olhou para mim e com aquele ar de rufia que eles às vezes tem me disse: "Larga-me miúda!"